Canção na plenitude
Lya Luft
Não tenho mais os olhos de menina
nem corpo adolescente,
e a pele translúcida há muito se manchou.
Há rugas onde havia sedas,
sou uma estrutura
agrandada pelos anos
e o peso dos fardos bons ou ruins.
(Carreguei muitos com gosto e alguns com rebeldia.)
O que te posso dar
é mais que tudo o que perdi:
dou-te os meus ganhos.
A maturidade que consegue rir
quando em outros tempos choraria,
busca te agradar
quando antigamente quereria
apenas ser amada.
Posso dar-te
muito mais do que beleza e juventude agora:
esses dourados anos
me ensinaram a amar melhor,
com mais paciência
e não menos ardor;
a entender-te se precisas,
a aguardar-te quando vais,
a dar-te regaço de amante
e colo de amiga,
e sobretudo força — que vem do aprendizado.
Isso posso te dar: um mar antigo e confiável
cujas marés — mesmo se fogem — retornam,
cujas correntes ocultas não levam destroços
mas o sonho interminável das sereias.
* * *
Do livro "Secreta Mirada", Editora Mandarim - São Paulo, 1997, pág. 151.
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