Trechos do romance 'QUINCAS BORBA'
A doutrina de Humanitas:
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"- Não há morte. O encontro de duas expansões, ou a expansão de duas formas, pode determinar a supressão de uma delas; mas, rigorosamente, não há morte, há vida porque a supressão de uma é a condição de sobrevivência da outra, e a destruição não atinge o princípio universal e comum.
Daí o caráter conservador e benéfico da guerra. Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos, que assim adquire forças para transpor a montanha e ir à outra vertente, onde há batatas em abundâncias; mas, se as duas tribos dividirem em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se suficentemente e morrem de inanição. A paz, nesse caso, é a destruição; a guerra é a conservação." (...)
"...o homem só comemora e ama o que lhe é aprazível ou vantajoso, e pelo motivo racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói. Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas."
p. 11
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Fragmento da Carta de Quincas Borba enviada a Rubião:
"Sou Santo Agostinho; descobri isto anteontem: ouça e cale-se. Tudo coincide em nossas vidas. O santo e eu passamos uma parte do tempo nos deleites e na heresia, porque eu considero heresia tudo o que não é a minha doutrina de Humanitas; ambos furtamos, ele, em pequeno, umas peras de Cartago, eu, já rapaz, um relógio do meu amigo Brás Cubas. Nossas mães eram religiosas e castas. Enfim, ele pensava como eu, que tudo que existe é bom, e assim o demonstra no capítulo XVI, livro VII, das 'Confissões', com a diferença que, para ele, o mal é um desvio da vontade, ilusão própria de um século atrasado, concessão ao erro, pois que o mal nem mesmo existe, e só a primeira afirmação é verdadeira; todas as coisas são boas, omnia bona, e adeus."
p. 15
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A personagem 'Sofia":
"Dali foi encostar-se à janela, que dava para o jardim mofino, onde iam murchando as duas rosas vulgares. Rosas, quando recentes, importam-se pouco ou nada com as cóleras dos outros; mas, se definham, tudo lhes serve para vexar a alma humana. Quero crer que este costume nasce da brevidade da vida. 'Para as rosas, escreveu alguém, o jardineiro é eterno.' E que melhor maneira de ferir o eterno que mofar de suas iras? Eu passo, tu ficas; mas eu não fiz mais que florir e aromar, servi a donas e donzelas, fui letra de amor, ornei a botoeira dos homens, ou expiro no próprio arbusto, e todas as mãos, e todos os olhos me trataram e me viram com admiração e afeto. Tu não, ó eterno; tu zangas-te, tu padeces, tu choras, tu afliges-te! a tua eternidade não vale um só dos meus minutos." (...)
p. 156-157
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"Quem conhece o solo e o subsolo da vida sabe muito bem que um trecho de muro, um banco, um tapete, um guarda chuva, são ricos de ideias ou de sentimentos quando nós também o somos, e que as reflexões de parceria entre os homens e as coisas compõem um dos mais interessantes fenômenos da terra. A expressão: 'Conversar com os seus botões', parecendo simples metáfora, é frase de sentido real e direto. Os botões operam sincronicamente conosco." (...)
p.157
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