Enquanto a Chuva Cai
Manuel Bandeira
A chuva cai. O ar fica mole...
indistinto... ambarino... gris...
e no monótono matiz
da névoa enovelada bole
a folhagem como o bailar.
Torvelinhai, torrentes do ar!
Cantai, ó bátega chorosa,
as velhas árias funerais.
Minh'alma sofre e sonha e goza
à cantilena dos beirais.
Meu coração está sedento
de tão ardido pelo pranto.
Dai um brando acompanhamento
à canção do meu desencanto.
Volúpia dos abandonados...
dos sós... - ouvir a água escorrer,
lavando o tédio dos telhados
que se sentem envelhecer...
Ó caro ruído embalador,
terno como a canção das amas!
Canta as baladas que mais amas,
para embalar a minha dor!
A chuva cai. A chuva aumenta.
cai, benfazeja, a bom cair!
Contenta as árvores! Contenta
as sementes que vão abrir!
Eu te bendigo, água que inundas!
Ó água amiga das raízes,
que na mudez das terras fundas
às vezes são tão infelizes!
E eu te amo! Quer quando fustigas
ao sopro mau dos vendavais
as grandes árvores antigas,
quer quando mansamente cais.
É que na tua voz selvagem,
voz de cortante, álgida mágoa,
aprendi na cidade a ouvir
como um eco que vem na aragem
a estrugir, rugir e mugir,
o lamento das quedas-d'água!
* * *
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