quinta-feira, 5 de abril de 2012

UMA CANÇÃO PORTUGUESA

Pedra Filosofal
Poema de António Gedeão, musicado por Manuel Freire

Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida,
tão concreta e definida,
como outra coisa qualquer.
Como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos.
Como estes pinheiros altos,
que em verde e oiro se agitam,
como essas aves que gritam
em bebedeiras de azul.

Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre, sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.

Eles não sabem que o sonho
é tela, é flor, é pincel,
base, fuste ou capitel,
arco e ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
Rosa dos Ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é Cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança.
Colombina, Arlequim,
passarola voadora,
para-raios, locomotiva,
alto forno, geradora,
barco de proa festiva,
cisão de átomo, radar,
ultrassom, televisão
desembarque e foguetão
na superfície lunar.

Eles não sabem, nem sonham
que o sonho comanda a vida
e que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.

*        *        *
In: 'Movimento Perpétuo', 1956

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