Nelson Moraes - do interessantíssimo blog 'Ao mirante, Nelson".
(Publiquei esse continho em 2004 e, sei lá, achei que era o caso de um replay)
UM ADVÉRBIO NA MADRUGADA
Ontem à noite, ao entrevistar um professor de português aposentado, Vanderley teve – na conversa em off que antecedia a entrevista – a atenção chamada pelo intelectual, que em voz baixa lhe corrigiu o uso do advérbio: "Significa ao pé da letra. Não é sinônimo de 'realmente'. Serve para tirar de algum termo sua condição de metáfora. Se a palavra tem duplo sentido, o 'literalmente' vem demonstrar que o termo está sendo usado em seu conceito original, denotativo." "Sei, sei", disse Vanderley entre lacônico e constrangido, passando os dedos pelos cabelos avermelhados de henna.
A entrevista seguinte foi com um cientista maluco que tinha inventado um eletrodo a partir de água mineral. Uma faísca da engenhoca escapuliu, pegou na cortina do cenário, alastrou-se até o papel manteiga que cobria um dos refletores e que já estava superaquecido; o pequeno foco não pôde ser controlado e logo o estúdio estava em chamas. A porta por algum motivo não quis destrancar e o pânico irradiou-se tão rápido quanto as labaredas. Sem lembrar-se do número dos bombeiros, Vanderley só teve tempo de ligar de seu celular para a casa do produtor do programa – e, em meio ao caos, um instante de autorrealização: utilizar corretamente o advérbio. A bateria do celular já acabando e ele só pôde gritar: "O programa está literalmente pegando fogo!"
A ligação caiu e o produtor voltou a dormir, satisfeito, imaginando que a audiência deveria estar reagindo.
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Post da amiga Claudia Lyra no Facebook
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