Rachel de Queiroz
Fortaleza (CE), 17 de novembro de 1910 - Rio de Janeiro, 04 de novembro de 2003
Telha de Vidro
Rachel de Queiroz
Quando a moça da cidade chegou,
veio morar na fazenda
na casa velha...
tão velha...
quem fez aquela casa foi seu bisavô...
Deram-lhe para dormir a camarinha,
uma alcova sem luzes, tão escura!
Mergulhada na tristura
de sua treva e de sua única portinha..a.
A moça não disse nada;
mas mandou buscar na cidade
uma telha de vidro,
queria que ficasse iluminada
sua camarinha sem claridade...
Agora
o quarto onde ela mora
é o quarto mais alegre da fazenda.
Tão claro que, ao meio-dia, aparece uma renda
de arabescos de sol nos ladrilhos vermelhos
que, apesar de tão velhos,
só agora conhecem a luz do dia...
A lua branca e fria
também se mete às vezes pelo claro
da telha milagrosa...
ou alguma estrelinha audaciosa
carateia
no espelho onde a moça se penteia...
Você me disse um dia
que sua vida era toda escuridão
cinzenta, fria,
sem um luar, sem um clarão...
Por que você não experimenta?
A moça foi tão bem sucedida...
Ponha uma telha de vidro em sua vida!
In "Mandacaru"
Fazenda "Não me deixes" - Quixadá - Ceará |
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Doer, dói sempre.
Só não dói depois de morto.
Porque a vida toda é um doer.
In: "Dôra, Doralina"
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O homem feliz é o que não tem passado. O maior dos castigos, para o qual só há pior no inferno, é a gente recordar.
Lembrança que vem de repente e ataca como uma pontada debaixo das costelas, ali onde se diz que fica o coração.
Alguém pode ter tudo, mocidade, dinheiro no bolso, um bom cavalo debaixo das pernas, o mundo todo ao seu dispor. Mas não pode usufruir nada disso por quê? Porque tem as lembranças perturbando.
O passado te persegue, como um cão perverso nos teus calcanhares.
Não há dia claro, nem céu azul, nem esperança de futuro, que resista ao assalto das lembranças.
In "Memorial de Maria Moura"
Chalé da Pedra - Memorial Rachel de Queiroz Quixadá - Ceará |
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