A inutilidade da poesia
Raul Albuquerque - "Obvious", 19 de março 2013
São novos tempos e a - pobre? - poesia vem perdendo espaço.
Há mais de cinquenta anos, um livro de poemas não entra na lista de mais vendidos.
Mas é irônico perceber que nestes mesmos tempos modernos é que ela é mais necessária, pois a catarse é mais necessária em tempos de cárcere.
Em tempos de total conexão, desconectar-se é necessário.
Se perguntam a mim “Por que escrever poesia?”, vêm à tona milhares de respostas subjetivas. Subjetivas, pois não há um porquê lógico para produzir arte. A arte em si não tem fim prático.
Arte é uma daquelas coisas que se faz por vontade (ou, à la Schopenhauer, Vontade de Poder), algo perto do instinto.
Poesia é inútil, sempre foi. Até aqui, não há novidades.
A questão atual é que, numa lógica absurda e mal construída, o que é inútil é imediatamente desimportante. Ou seja, hoje se algo não tem um fim prático não é importante.
Vivemos no tempo da razão utilitária - onde até a racionalidade foi posta à margem do processo produtivo -, fato que explica esse desprezo não tão recente à arte.
A constatação, porém, é que as pessoas fazem uso da poesia não por ela ser útil - pois ela não é - mas por ela ser importante - o que não depende de sua utilidade. Poesia tem uma finalidade intrínseca e pessoal, o que foge ao atual conceito de "útil".
Poesia tem duas faces.
Uma é apresentada ao poeta, essa é a face do desafio. É a que apresenta as palavras como meios para chegar a um fim - que é a própria Poesia. É a que permite libertação em moldes bem marcados - e por vezes burlados pelo escritor.
Outra é a apresentada ao leitor, essa é a face do descobrimento. É a que disponibiliza um campo minado, onde qualquer verso alheio pode desencadear sentimentos pessoais e intransferíveis. É o que dá ao Outro o atestado de insanidade assinado pelo paciente - que piora a cada verso.
Longe da tentativa acadêmica e falida de dar "funções" à poesia, a própria história empenha-se em provar que a poesia apresenta-se no processo cultural como algo importante, mas nunca útil.
A poesia política de Neruda, Nobel de Literatura de 71, por exemplo, foi importante no cenário latinoamericano durante a Guerra Fria, mas não foi útil.
Despertou o desejo de liberdade do povo, mas não convocou multidões às ruas.
Poesia é, portanto, inútil, mas importante. Algo impossível para as mentes adestradas e castradas.
Não há fim determinado e comprovável que comporte a poesia. Poesia é vital, mas não é útil.
Poesia... ... não é rentável. ... não vai salvar-nos do aquecimento global nem da crise financeira. ... não vai trazer-nos a solução dos problemas da sociedade contemporânea. ... não vai evitar guerras nem amenizar seus efeitos. ... não vai encontrar a cura do câncer nem da AIDS. ... não vai acabar com a fome nos países miseráveis.
E talvez até venha a fazer tudo isso, mas, se o fizer, será feito um poeta por vez, um poema por vez, um leitor por vez, uma inquietação por vez.
Inútil totalmente inútil, mas igualmente indispensável.
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