segunda-feira, 23 de junho de 2014

ASTRID CABRAL - três poemas

Três poemas de 'Infância em franjas':


CASEMIRO, CASEMIRO

Ai que não tenho saudades
da infância bem lá pra trás!

Que raivas choros temores
junto a adulto senhores.

E as tarefas rotineiras
que não acabavam mais?
à sombra de rijas regras
e urubus nos beirais!

Ai vontade de crescer
ouvir conversas inteiras
tossir e espirrar na igreja
e sem melindres dizer
indesejáveis verdades!

Enfrentar a lei dos grandes
e encarar o fogo do inferno
como conversa de espertos.
**
CONSTANTE REBELDIA

Minha mãe? A idealista
domadora do caos.

Serva da beleza visível
paladina da perfeição
na insana luta cotidiana
contra lençóis amassados
sapatos desengraxados
laços desengonçados
e a obscena deselegância 
de minhas pernas abertas
de minha gula sem regra
de meus hábitos malucos
de meus estudos noturnos.

Eu, a desatenta filha
pobre cabeça virada
para o mundo do invisível.

Ah! Indomável menina
desobediente mesmo
sem malévolo intento.

A constante rebeldia
diante de normas e leis.

Eu, cega a hierarquias
e à censura alheia.

Eu sempre de costas a
bom tom e boas maneiras.

Eu amante da liberdade
irmã de todos os pássaros.
** 
NA CHUVA

Nunca entendi
os guarda-chuvas.

Sombrinhas, sim
abrigavam do sol.

Se o chuveiro do céu
se abria, queria banho.

Corria atrás de maiô
sabonete e pente.

Ávida penetrava
as frias cortinas d'água
rio em pé peneirando.

Fechava as pálpebras:
estrelas aterrissassem
faiscando em minha face.

Até que a voz antipática
me gritasse a ordem: 
Já já pra dentro de casa.

*        *        *

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