Oração de boas vindas a uma criança que chega
André J. Gomes - "Revista Bula", junho 2014
Vem que o rumo certinho das coisas carece de desarranjo.
Vem mudar os prazos, acelerar o ritmo, parar o tempo.
Vem que a vida é agora, e é hora de viver entre nós.
Vem encher a casa de visitas e presentes e conversas em voz baixinha para não lhe atrapalhar o sono.
Vem lembrar o que de fato importa, que na vida somos todos visitantes afoitos.
Vem acordar o mundo em meio à noite e despertar a ternura que resta lá fora.
Vem chorar aos berros com a força da vida mesma, vem que precisamos reaprender a conquista de um silêncio bom.
Vem e ocupa seu lugar na vida, que é a vida inteira.
Vem condensar nossas esperanças honestas em suspiros mansos de satisfação e alegria! Vem que há tantos sonhos à espera do seu sono. Vem sorrir das expectativas alheias, vai ser poeta, publicitário, goleiro, atacante, Atlético, Anápolis, ator, astronauta, ginasta olímpico, doutor, direita, esquerda, vai ser isso e aquilo. Vem gargalhar disso tudo.
Vem, gracioso Erê, irmana as religiões todas, amanhece a nossa gratidão, borrifa descarado na vizinhança o perfume dos anjos, e assina com os calcanhares rosados a sua certidão de fiel beneficiário de todo o amor que lhe cabe.
Vem, criança abençoada de saúde e festa, atrair os olhos de quem passa.
Vem aprender a caminhar, um pé depois do outro, e a cair e a levantar.
Aproveita e nos ensina também um pouco disso, que vira e mexe nós esquecemos.
Vem sujeito a chuvas e trovoadas.
Vem sorrindo à vida.
Vem conhecer a luz desse mundo sob a forma do amor luminoso de seus pais.
Vem ganhar e vem perder e ganhar de novo.
Vem crescer a olhos vistos, tomar posse de tudo, como do amor que aguardava ansioso por nascer. O amor que começa e termina em você.
Vem, menino, fazer das suas.
Vem com a vida em todo o seu maravilhoso milagre.
E vem, sobretudo, porque o mundo anda precisando olhar mais para o alto. Porque é em você que moram o sol e a lua e as estrelas e o arco-íris e as nuvens, as nuvens que ora chovem pragmáticas, ora existem para nada senão para acarinhar os olhos de imaginação da gente.
Vem, pequenino homem, provar que antes, muito antes de estar aqui, você já vivia no coração dos seus.
E que Deus o abençoe sempre.
Amém.
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