Cada Dia é Sempre Diferente dos Outros
José Luiz Peixoto - escritor português
Cada dia é sempre diferente dos outros, mesmo quando se faz aquilo que já se fez. Porque nós somos sempre diferentes todos os dias, estamos sempre a crescer e a saber cada vez mais, mesmo quando percebemos que aquilo em que acreditávamos não era certo e nos parece que voltamos atrás.
Nunca voltamos atrás. Não se pode voltar atrás, não se pode deixar de crescer sempre, não se pode não aprender. Somos obrigados a isso todos os dias.
Mesmo que, às vezes, esqueçamos muito daquilo que aprendemos antes. Mas, ainda assim, quando percebemos que esquecemos, lembramo-nos e, por isso, nunca é exatamente igual.
— Por que, pai?
— Porque a memória não deixa que seja igual, mesmo que seja uma memória muito vaga, mesmo que seja só assim uma espécie de sensação muito vaga.
É que a memória não é sempre aquilo que gostaríamos que fosse.
Grande parte dos nossos problemas estão na memória volúvel que possuímos.
Aquilo que é hoje uma verdade absoluta, amanhã pode não ter nenhum valor.
Porque nos esquecemos, filho. Esquecemos muito daquilo que aprendemos. E cansamo-nos.
E quando estamos cansados, deixamos de aprender.
Queremos não aprender por vontade. Essa é a nossa maneira de resistir, mais ou menos, àquilo que nos custa entender.
E aquilo que nos custa entender pode ter muitas formas, pode chegar de muitos lugares.
— Por que, pai?
— Porque nos parece que é assim. Mas talvez não seja assim.
Aquilo que nos custa entender é sempre uma surpresa que nos contradiz.
Então, procuramos convencer-nos das mais diversas maneiras, encontramos as respostas mais elaboradas e incríveis para as perguntas mais simples.
E acreditamos mesmo nelas, queremos mesmo acreditar nelas e somos capazes. Somos mesmo capazes.
Não imaginas aquilo em que somos capazes de acreditar.
— Por que, pai?
— Porque temos de sobreviver.
Porque, à noite, a esta hora, temos de encontrar força para conseguirmos dormir, descansar, e temos de acreditar que no dia seguinte poderemos acordar na vida que quisemos, que desejamos.
Temos de acreditar que poderemos acordar na vida que conseguimos construir e que essa vida tem valor, vale a pena.
Muito mais difícil do que esse esforço é considerarmos que fomos incapazes, que não conseguimos melhor, que a culpa foi nossa, toda e exclusiva.
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In 'Abraço'
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