sexta-feira, 7 de novembro de 2014

INCÓGNITA INSTIGANTE - sobre Clarice Lispector




Incógnita Instigante
Thaís Folgosi- "Obvious - Lounge"

Pelo direito de não se definir: como o conto "O ovo e a galinha" traduz sua autora, Clarice Lispector


Quem é Clarice Lispector? E quem vem primeiro? A Clarice mulher? A Clarice escritora? A estrangeira? A mãe? Ou, porque não uma faceta desconhecida do público? 
Este enigma que é uma das maiores autoras do Brasil (apesar de ter nascido na Ucrânia) defendeu o direito de não se definir ou nomear cada sentimento, objeto, ou qualquer outra coisa de que se trata. Esta carência de sentido encontrada em suas histórias fisga o leitor, que ao ler não compreende, e fica instigado.
Suas obras compreendem as pessoas de modo geral, sendo a escritora que melhor explorou o âmago de suas personagens, que ao viver devaneios e epifanias vivenciam momentos extremos de lucidez. Sem contar que as personagens de Clarice são humanas, isto é, são ambíguas, ao mesmo tempo são uma coisa e o seu oposto. Assim como qualquer indivíduo que é complexo, e não raso e maniqueísta.

Entre tantas histórias que causam estranheza e incômodo, nenhum conto melhor do que "O ovo e a galinha", que parece inassimilável, para ilustrar essa característica de não definir exatamente sobre aquilo que fala. 
A própria Clarice, durante a última entrevista de sua vida, concedida a TV Cultura, em 1977, disse gostar deste conto em especial, por ser um trabalho que continua a ser um mistério para ela.

A escritora inicia o conto divagando livremente sobre um ovo para finalmente adentrar na vida de sua narradora, num diálogo interior profundo e reflexivo.
Ao falar da superfície do ovo, pode-se perceber que o que se conhece de Clarice é mais seu exterior, na figura de escritora, do que seu interior. 
E mesmo das pessoas que estão ao nosso redor diariamente, se formos pensar sabemos pouco, de nós mesmos, e de nosso colega de trabalho também. E nos limitamos a ser apenas uma "casca" que pode esconder muitas facetas.

Assim como o mal que da galinha é desconhecido, pelo qual a narradora se lamenta, tantas vezes passamos por tal situação. 
Sofremos sem saber o porquê, mas desconfiados de que ele se encontra dentro de nós. 
Além disso, assim como a galinha, contradizemo-nos e constantemente nos remodelamos. E é com tantas indagações, banais e filosóficas, que vivemos.

Após um longo devaneio sobre o ovo que se direciona a uma epifania sobre o significado do amor. 
É então, após o momento de conscientização, que a narradora coloca em dúvida a própria clareza. Será que tal epifania de fato ocorreu? Será que sou mais lúcida a ponto de perceber que tudo não passa de um disfarce?

Quando Clarice escreve "Sendo impossível entendê-lo, sei que se eu o entender é porque estou errando", a autora permite essa incógnita. Pois nem tudo tem uma explicação, por mais incabível que isto seja num mundo cartesiano que exige afirmativas a todo momento.
Mas lembremos que, por ser um mistério, tudo que foi dito não passa de especulação. 
A verdade é que nem todos os mistérios são desvendados.

O conto "O ovo e a galinha", tanto quanto sua autora, continuará nas mentes especulativas de cada leitor que, instigado, vai acreditar ter finalmente encontrado o real significado da história.
Essa eterna especulação é positiva, porque, ao se definir tudo, perde-se a essência e tudo aquilo que poderia ser, mas por ter sido definido, delimitado e enquadrado, já não se pode ser mais. 
As palavras e o pensamento nos afasta do objeto. 
A busca incessante por definirmos as coisas limita-nos.

Assim como sua escrita, Clarice também é um mistério. Pode-se constatar isso na última entrevista, de 1977. 
A sisudez presente nas respostas curtas, a seriedade presente no tempo que leva para responder às perguntas, a introspecção notada no silêncio quando nada tem a declarar, a rispidez que pode ser interpretada como uma falta de interesse, ou, como prefiro, o cansaço causado por uma doença que se descobriria depois daquela entrevista, fazem dela tímida e ousada, assim como sua obra.

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