Eu não poderia imaginar que hoje o poeta das coisas simples voaria de volta pra casa...
Fica registrada também a marca da milésima postagem no blog, que eu desejara mais alegre...
A Infância - Brincadeiras
Manoel de Barros (1916-2014)
No quintal a gente gostava de brincar com as palavras
mais do que de bicicleta.
Principalmente porque ninguém possuía bicicleta.
A gente brincava de palavras descomparadas. Tipo assim:
O céu tem três letras
O sol tem três letras
O inseto é maior.
O que parecia um despropósito
para nós não era despropósito.
Porque o inseto tem seis letras e o sol só tem três
logo o inseto é maior. (Aqui entrava a lógica?)
Meu irmão que era estudado falou quê lógica quê nada
Isso é um sofisma. A gente boiou no sofisma.
Ele disse que sofisma é risco n'água. Entendemos tudo.
Depois Cipriano falou:
Mais alto do que eu só Deus e os passarinhos.
A dúvida era saber se Deus também avoava
Ou se Ele está em toda parte como a mãe ensinava.
Cipriano era um indiozinho guató que aparecia no
quintal, nosso amigo. Ele obedecia a desordem.
Nisso apareceu meu avô.
Ele estava diferente e até jovial.
Contou-nos que tinha trocado o Ocaso dele por duas andorinhas.
A gente ficou admirado daquela troca.
Mas não chegamos a ver as andorinhas.
Outro dia a gente destampamos a cabeça do Cipriano.
Lá dentro só tinha árvore árvore árvore
Nenhuma idéia sequer.
Falaram que ele tinha predominâncias vegetais do que platônicas.
Isso era.
* * *
Nenhum comentário:
Postar um comentário