sábado, 31 de dezembro de 2011

TRISTE SURPRESA

Neste momento chega a informação da morte de Daniel Piza, jornalista e escritor, que acompanho desde seu primeiro trabalho publicado no jornal O Estado de São Paulo, em 1991.
Lamento pelas circunstâncias - um AVC aos 41 anos de idade - e pelo talento consolidado por seus artigos e livros. Uma pena.


Daniel Piza

 

FALOU, MAFALDA...

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

ANDREA BOCELLI - Ever

Aos amigos,
Um  2012  Iluminado!


DRUMMOND - Reinauguração

Reinauguração
Carlos Drummond de Andrade


Entre o gasto dezembro e o florido janeiro,
entre a desmitificação e a expectativa,
tornamos a acreditar, a ser bons meninos,
e como bons meninos reclamamos
a graça dos presentes coloridos.
Nossa idade - velho ou moço - pouco importa.
Importa é nos sentirmos vivos 
e alvoroçados mais uma vez,e revestidos de beleza, a 
exata beleza que vem dos gestos espontâneos
e do profundo instinto de subsistir
enquanto as coisas em redor se derretem e somem
como nuvens errantes no universo estável.
Prosseguimos. Reinauguramos. Abrimos olhos gulosos
a um sol diferente que nos acorda para os
descobrimentos.
Esta é a magia do tempo.
Esta é a colheita particular
que se exprime no cálido abraço e no beijo comungante,
no acreditar na vida e na doação de vivê-la
em perpétua procura e perpétua criação.
E já não somos apenas finitos e sós.
Somos uma fraternidade, um território, um país 
que começa outra vez no canto do galo de primeiro de janeiro
e desenvolve na luz o seu frágil projeto de felicidade. 

*            *            *

In: 'Receita de Ano Novo'. Rio de Janeiro. Record. 2008

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

ADÉLIA PRADO - Tão bom aqui


Tão bom aqui
Adélia Prado

Me escondo no porão
para melhor aproveitar o dia
e seu plantel de cigarras.
Entrei aqui pra rezar,
agradecer a Deus este conforto gigante.
Meu corpo velho descansa regalado,
tenho sono e posso dormir,
tendo comido e bebido sem pagar.
O dia lá fora é quente,
a água na bilha é fresca,
acredito que sugestiono elétrons.
Eu só quero saber do microcosmo,
o de tanta realidade que nem há.
Na partícula visível de poeira
em onda invisível dança a luz.
Ao cheiro de café minhas narinas vibram,
alguém vai me chamar.
Responderei amorosa,
refeita de sono bom.
Fora que alguém me ama,
eu nada sei de mim.
*        *        *

In: 'A duração do dia'. Adélia Prado. Rio de Janeiro. Record. 2010

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

DRUMMOND - Versos de fim de ano

Versos de Fim de Ano - II
Carlos Drummond de Andrade

É tempo de pesquisar no tempo
uma estrela nova, um sorriso;
de dizer à nuvem: sê escultura,
e à escultura: sê nuvem.

Tempo de desejar, tempo de pensar
madura e docemente o bom de acontecer
(e mesmo não acontecendo fica desejado),
pássaro-mensageiro, traço
entre vida e esperança
como satélite no espaço.

*        *        *

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

EÇA DE QUEIROZ - O Suave Milagre (trecho)

O Suave Milagre
Eça de Queiroz

(...)
A tarde caía. O mendigo apanhou o seu bordão, desceu pelo duro trilho, entre a urze e a rocha. A mãe retomou o seu canto, mais vergada, mais abandonada. E, então, o filhinho, num murmúrio mais débil que o roçar de uma asa, pediu à mãe que lhe trouxesse esse Rabi, que amava as criancinhas ainda as mais pobres, sarava os males ainda os mais antigos. A mãe apertou a cabeça esguedelhada:
- Oh, filho! E como queres que eu te deixe, e lance-me aos caminhos, à procura do Rabi da Galiléia? Obede é rico e tem servos, e debalde buscaram Jesus, por areias e colinas, desde Corazim até ao país de Moabe. Séptimo é forte, e tem soldados, e debalde correram por Jesus, desde o Hébron até ao mar! Como queres que te deixe? Jesus anda por muito longe e a nossa dor mora conosco, dentro destas paredes, e dentro delas nos prende. E mesmo que o encontrasse, como convenceria eu o Rabi tão desejado, por quem ricos e fortes suspiram, a que descesse através das cidades até este ermo, para sarar um entrevadinho tão pobre, sobre enxerga tão rota?
A criança, com duas longas lágrimas na face magrinha, murmurou:
- Oh! Mãe! Jesus ama todos os pequeninos. E eu ainda tão pequeno, e com um mal tão pesado, e que tanto queria sarar!
E a mãe, em soluços:
- Oh! Meu filho, como posso te deixar? Longas são as estradas da Galiléia, e curta a piedade dos homens. Tão rota, tão trôpega, tão triste, até os cães me ladrariam da porta dos casais. Ninguém atenderia o meu recado, e me apontaria a morada do doce Rabi. Oh! Filho! Talvez, Jesus morresse... Nem mesmo os ricos e os fortes o encontram. O céu o trouxe, o céu o levou. E com ele para sempre morreu a esperança dos tristes.
Dentre os negros trapos, erguendo as pobres mãozinhas que tremiam, a criança murmurou:
- Mãe, eu queria ver Jesus...
E logo, abrindo devagar a porta e sorrindo, Jesus disse à criança:
- Aqui estou...
*            *            *
*            *            *

domingo, 18 de dezembro de 2011

FERNANDO PESSOA - Eros e Psiquê

Eros e Psiquê
Fernando Pessoa

Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada

Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.

A Princesa adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.

Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre o Destino -
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.

E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,

E, inda tonto do que houvera,
A cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.

*            *            *

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

BEETHOVEN - (Arte...)

Retrato de Beethoven, por KARL STIELER
1820
Ludwig van Beethoven 
Batizado em Bonn (Alemanha), em 17 de dezembro de 1770 — Viena (Áustria), 26 de março de 1827

Um dos maiores compositores da história, foi atormentado em toda sua vida por uma surdez progressiva sem diagnóstico definitivo.
Teria tido Beethoven a mesma genialidade que mostrou em suas sinfonias caso ele não tivesse hipoacusia e zumbido? Qual a influência que sua surdez teve sobre sua vida e obra?

Ele escreveu ao amigo e médico Franz Gerhard Wegeler em 21 de junho de 1801, quando tinha 31 anos de idade:
"Você tem tido notícia da minha situação? Os meus ouvidos nos últimos 3 anos estão cada vez mais fracos, Frank o diretor do Hospital de Viena procurou retonificar o meu organismo com tônicos e meus ouvidos com óleo de Mandorle. Não houve nenhum efeito, a surdez ficou ainda pior. Depois um asno de um médico me aconselhou banhos frios o que me levou a ter dores fortes. Outro médico me aconselhou banhos rápidos no Danúbio, todavia a surdez persiste, as orelhas continuam a rosnar e estalar dia e noite. Te confesso que estou vivendo uma vida bem miserável. Há quase 2 anos me afastei de todas as atividades sociais, principalmente porque me é impossível dizer para as pessoas : Sou surdo !... Se minha profissão fosse outra, talvez poderia me adaptar à minha doença, mas no meu caso a surdez representa um terrível obstáculo. E se os meus inimigos vierem a saber ? O que falarão por aí? Para te dar uma ideia desta estranha surdez, no teatro eu tenho que me colocar pertíssimo da orquestra para entender as palavras dos atores e a uma certa distância não consigo ouvir os sons agudos dos instrumentos e do canto. Surpreendentemente, nas conversas com as pessoas muitos não notaram minha surdez, acreditam que eu sou distraído. Muitas vezes posso ouvir o som da voz mas não entendo as palavras, mas se alguém grita eu não suporto ! O doutor Vering me disse que certamente meu ouvido melhorará, se isso não for possível tenho momentos em que penso que sou a mais infeliz criatura de Deus.”

Não há dados que possam estabelecer exatamente o início de sua surdez. Por alguns manuscritos de Beethoven parece que os sintomas se manifestaram quando tinha 26 anos (em 1796), ano no qual fez sua primeira turnê em Berlin, Dresda, Praga, Lipsia, Nuremberg e Budapest.
Esta imprecisão se deve ao fato de que ele provavelmente não a percebeu ou não dava valor pois não foi súbita e por ser jovem e consciente de suas amplas capacidades artísticas e musicais, não esperava ficar surdo.
Apesar de racional em suas escritas sobre a ineficácia dos tratamentos médicos sempre procurou esperança em novos tratamentos.

Em 16 de novembro de 1801 o compositor escreveu novamente ao seu amigo Wegeler:
..."quer saber como estou? E do que preciso? O doutor Vering me coloca torniquetes nos braços. Este tratamento é muito desagradável, à parte da dor, fico privado de usar o braço por 2 ou 3 dias. Devo confessar que o ruído nos ouvidos fica menor, principalmente no esquerdo onde começou a doença, mas a audição fica na mesma. Não gosto de trocar muito de médico, mas me parece que Vering seja um pouco empírico... O que você pensa do doutor Schmidt**? Parece ser um outro homem. Me contam maravilhas dele, O que você acha? Um médico me disse que viu em Berlin um menino surdo-mudo começar a ouvir e um homem surdo a sete anos se curar totalmente.”

Mas mesmo o Dr. Schmidt, não fez nada mais do que aconselhar-lhe a vida no campo para proteger-se do nervosismo da cidade.
Beethoven seguiu seus conselhos e no fim de abril de 1802 se transferiu a Heiligenstadt, pequeno e tranquilo subúrbio aos pés dos bosques de Viena.
Isso o fez se concentrar por seis meses e atingir a plenitude de seus pensamentos musicais. E foi neste local que se encontrou, anos após sua morte, um manuscrito dentro de uma velha escrivaninha - seu testamento, que entre tantas dizia:

“Para meus amigos e para aqueles que pensavam que eu era anti-social, distraído e ermitão, me julgaram mal. Vocês não conheceram a causa secreta disso tudo. Eu era atormentado de um mal sem esperança, piorado devido a médicos insensatos. Por anos fui enganado com esperanças de melhora e no final fui constrangido a aceitar a realidade de uma doença incurável. Nascido com um temperamento ardente e ativo e sensível às atrações da sociedade, tive que bem cedo me isolar e transcorrer a vida em solidão. Se às vezes tentava me esquecer, meu ouvido me trazia de volta à realidade. Não podia nem pedir para as pessoas : Falem mais alto, gritem, porque sou surdo ! Como poderia admitir uma doença na qual o sentido que para mim mais do que para ninguém deveria ser perfeito? Tive que viver sozinho e se estou com alguém fico com uma enorme ansiedade do medo de correr o risco de se notar a minha condição. Provei desta humilhação quando um aluno que estava ao meu lado ouvia o som de uma flauta e eu não, ouvia o canto de um pastor e eu nada. Quase coloquei fim à minha vida algumas vezes. Foi a música que me entreteve. Me parecia impossível abandonar este mundo antes de criar todas as óperas que sentia imperiosa necessidade de compor. Esta foi minha vida, angustiosa. Quando lerem estas linhas saberão que aqueles que de mim falaram, cometeram grande injustiça. Peçam ao Dr. Schmidt para descrever minha doença para que o mundo possa se reconciliar comigo, ao menos após minha morte.”
(Ludwig van Beethoven, in Testamento de Heilingenstadt, a 6 de Outubro de 1802)

Este documento testemunha perfeitamente o drama psicológico do grande compositor e justifica plenamente sua involução de caráter. Todavia a surdez não interferiu de modo algum na sua veia criativa que terminou por expressar de modo sublime todo seu mundo interior, todos os sentimentos, todas as paixões, todas as emoções e cada percepção de sua alma e da natureza.


O caráter do maestro, fechado, foi em parte reflexo de sua doença, mas é evidente que sua formação teve também influência de sua infância e adolescência.

Representação em bronze
Beethoven nasceu em 16 de dezembro de 1770 em Bonn, Alemanha. O pai era um tenor medíocre e com vício da bebida; sua mãe, Maria Madalena Keverich, já viúva de um camareiro da corte. era filha de um cozinheiro e tinha 19 anos quando ele nasceu. Sua infância foi rígida e triste. Como manifestou precocemente o talento para música, não tinha ainda 8 anos e seu pai, incapacitado de prever um gênio em formação e querendo desfrutar de lucros pessoais o apresentou como prodígio na Academia de Música de Colônia, mentindo sua idade para seis anos.

Com 11 anos fazia parte da orquestra de Bonn e aos 13 era organista. O pai sem dúvida atrapalhou seu início de carreira obrigando-o a ganhar a vida.

Com 22 anos deixou Bonn e foi para Viena, na Áustria, considerada capital da música. Foi em Viena que conquistou rapidamente a notoriedade e sucesso como concertista e compositor.

Em 1814 veio o apogeu da vida musical de Beethoven quando no Congresso de Viena foi aclamado como o maior músico vivo.

O Imperador Francisco I da Áustria (irmão da Princesa Leopoldina do Brasil) colocou a sua disposição dois salões em seu palácio em Viena e lhe deu a cidadania honorária de Viena.

Mas foi neste momento também que a o agravamento de sua surdez o fez abandonar a carreira de concertista.
Consultou vários médicos, inclusive o médico da corte de Viena.  Fez curativos, usou cornetas acústicas, realizou balneoterapia, mudou de ares; mas os seus ouvidos permaneciam arrolhados. Desesperado, entrou em profunda crise depressiva e pensou em suicidar-se.
"Devo viver como um exilado. Se me acerco de um grupo, sinto-me preso de uma pungente angústia, pelo receio que descubram meu triste estado. E assim vivi este meio ano em que passei no campo. Mas que humilhação quando ao meu lado alguém percebia o som longínquo de uma flauta e eu nada ouvia! Ou escutava o canto de um pastor e eu nada escutava! Esses incidentes levaram-me quase ao desespero e pouco faltou para que, por minhas próprias mãos, eu pusesse fim à minha existência. Só a arte me amparou!"

Derradeiros anos
A culminância destes anos foi a Sinfonia nº 9 em Ré Menor, Op.125 (1822-1824), para muitos a sua maior obra-prima. Pela primeira vez é inserido um coral num movimento de uma sinfonia. O texto é uma adaptação do poema de Friedrich Schiller, "Ode à Alegria".

Alegria bebem todos os seres
No seio da Natureza:
Todos os bons, todos os maus,
Seguem seu rastro de rosas.
Ela nos deu beijos e vinho e
Um amigo leal até à morte;
Deu força para a vida aos mais humildes
E ao querubim que se ergue diante de Deus!

(Parte do verso da Ode à Alegria, de Friedrich Schiller, utilizado por Ludwig van Beethoven)

Beethoven recebeu a extrema unção na manhã do dia 24 de março, junto a ele estavam a mulher de seu irmão Johann e um jovem músico de Graz de nome Anselm Huettenbrenner vindo a ser dado como morto no dia 26 às 17:45. O jovem escultor Danhauser moldou sua máscara mortuária na manhã seguinte.
Os funerais de Ludwig van Beethoven foram realizados no final do dia 29 de março de 1827 na igreja da rua Alserstrasse em Viena, Áustria.
Viena lhe ofereceu todas as honras que lhe havia negado em vida. As escolas foram fechadas e naquele dia os vienenses tiveram a certeza de terem perdido algo de verdadeiramente grande; todavia a imensa e emocionada participação não resgatou aos olhos daqueles que o amaram profundamente, a longa indiferença ao músico nos últimos anos de sua triste existência.
Seu devoto companheiro, Nikolaus Zmeskal, poucos dias depois escreveu a Therese von Brunsvik, mais que amiga do maestro: "A sua morte suscitou uma emoção da qual não se tem lembrança...”
De vinte a trinta mil pessoas acompanharam o funeral. Os compositores mais ilustres entre os quais Franz Schubert (que morreu aos 31 anos 1 ano depois de Beethoven e foi enterrado ao lado dele) estavam ao lado de sua urna funerária.
Terminou assim a vida do Maestro, uma vida triste e solitária, não obstante os sucessos artísticos, atormentada nos últimos 30 anos por uma saúde precária e sobre tudo por uma surdez progressiva, angustiante, iniciada precocemente com zumbido e intrusões auditivas persecutórias que o foram excluindo gradualmente e inevitavelmente da vida em sociedade.
*            *            *

"A VOZ DO POVO 2... "


Análises anônimas do chamado ‘mundo muderno’


"...o desafio para esses jovens 'críticos' da literatura clássica é o seguinte: tentem redigir dez linhas que além de corretas, sejam minimamente interessantes."
**
"A questão de 'ser velho' (chegar à velhice) não é um prêmio para qualquer um. Muitos e muitos ficarão lembrados apenas nas cruzes à beira do caminho!
**
"...promovemos o emburrecimento das gerações: criamos seres que não sabem falar ao telefone, correm feito bestas selvagens para pegar uma assento no trem, se comportam na escola como marginais, andam pela rua feito animais ruminantes com celulares tocando funk para todos ouvirem, compram carros para estufá-los com caixas de som, não sabem falar bom dia, meus pêsames, com licença, têm a caligrafia compatível às pinturas rupestres."
**
"Existe algo que poderia fazer a grande diferença no comportamento das pessoas e a cada dia é o menos lembrado; este algo se chama educação, não aquela das escolas e faculdades, mas aquela ensinada em casa por pai e mãe, por família; família que dialoga, que fala, que ouve, que ensina o respeito ao próximo, ao mais velho, ensina dar um bom dia, um até logo, um muito obrigado."
**
"...fala-se tanto em salvar o planeta e nos encantos da globalização cibernética, enquanto no dia a dia continuamos vivendo na idade da pedra."
*        *        *

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

LIMPANDO A CASA...

SOBRE FELICIDADE...


foto de Terry Border
fotógrafo americano

A felicidade do trágico
Pio Barbosa Neto  -  CE / Fortaleza  - 30/10/2010

Nascemos todos com direito à felicidade, ao amor, à  liberdade, entretanto, numa sociedade fria, cruel e injusta, temos de conquistar tudo, a preço de lutas e derrotas.

A vida é como um tapete que vamos tecendo com paciência, amor e alegria, ou com pressa, amargura e revolta. Quem pode negar que ela se faz de ais em ais, que é agonia e êxtase? Que, tantas vezes, sentindo o desespero das noites escuras, amassando o trigo com fel, embebido de pranto, de queda em queda, perdidos em delírios antagônicos, carentes de afeto, só vamos encontrar colo na própria dor?

A vida é bela e trágica: esta é uma verdade que ninguém pode negar. É impossível passar pela vida sem grandes doses de desaprovação alheia, isto não pode ser evitado: é o preço que pagamos por estarmos vivos. Se disso, portanto, depender a nossa felicidade, seremos eternamente amargurados.

Pablo Casals afirmou: “Eu estou renascendo. Cada nova manhã é o momento de recomeçar a viver. Isto não significa uma rotina mecânica, mas algo essencial para minha felicidade”.

A felicidade constitui uma condição natural do ser humano. Para constatar isto, basta olhar as crianças brincando.
Ela consiste, sem dúvidas num eterno “recriar a vida”. A ânsia de viver, que nada acalma, é a chama de nossa alma, que clama pela felicidade! Por isso ela só entra em nosso coração, quando vivemos plenamente.

A alegria de viver, que é a razão, o motivo mais forte da própria vida, torna-se mais forte quando ela é contrariada.

Por mais paradoxal que pareça, a concepção trágica da vida pode levar ao pessimismo, mas também estimular a alegria de viver em vez de levar a condenar a vida, suas tristezas e misérias, afinal, “A vida é a mais difícil das tarefas e o amor à vida o mais difícil dos amores, mas também o mais gratificante”.
*            *            *

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

PABLO NERUDA - O teu riso

O teu riso
Pablo Neruda

Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas não
me tires o teu riso.

Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.

A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.

Meu amor, nos momentos
mais escuros solta
o teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.

À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero teu riso como
a flor que esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.

Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então eu morreria.
*        *        *

QUINTANA - Amor é síntese

Amor é Síntese
Mário Quintana

Por favor, não me analise
Não fique procurando cada ponto fraco meu.
Se ninguém resiste a uma análise profunda,
Quanto mais eu...

Ciumento, exigente, inseguro, carente
Todo cheio de marcas que a vida deixou
Vejo em cada grito de exigência
Um pedido de carência, um pedido de amor.

Amor é síntese
É uma integração de dados
Não há que tirar nem pôr
Não me corte em fatias
Ninguém consegue abraçar um pedaço
Me envolva todo em seus braços
E eu serei o perfeito amor.
*          *          *

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

MONICA SALMASO - Canto em qualquer canto



Canto em Qualquer Canto

Composição: Ná Ozzetti
Letra: Itamar Assumpção

Vim cantar sobre essa terra
Antes de mais nada aviso
Trago facão, paixão crua
E bons rocks no arquivo
Tem gente que pira e berra
Eu já canto, pio e silvo
Se fosse minha essa rua
O pé de ipê estava vivo

Pro topo daquela serra
Vamos nós dois vídeo e livros
Vou ficar na minha e sua
Isso é mais que bom motivo
Gorjearei pela terra
Para dar e ter alívio
Gorjeando eu fico nua
Entre o choro e o riso

Pintassilga, pomba, mélroa
Águia lá do paraíso
Passarim, mundo da lua
Quando não trino não sirvo
Caso a bela com a fera
Canto porque é preciso
Porque esta vida é árdua
Pra não perder o juízo
*        *        *

ELIANE BRUM - Quando a máscara vira rosto

Quando a máscara vira rosto
Eliane Brum - Revista´'Época' - 02/10/2011
Todo mundo inventa seus personagens, mas alguns acreditam demais no próprio e se estrepam
 
Ter um ou mais personagens para encarar a pedreira do mundo é não só necessário, como uma questão de sobrevivência. Especialmente se você tiver uma sensibilidade extremada. Nascemos com uma pelezinha de bebê também na alma (e aqui não me refiro ao sentido religioso do termo) e precisamos protegê-la. Se há algo que os outros pressentem é o tamanho da nossa fragilidade. Por isso um chefe abusivo sempre sabe com quem pode gritar – e com quem é melhor não. Muita gente é como aqueles cães de caça farejando o flanco mais indefeso para atacar sua presa. Triste, triste. Mas mais triste é quando, em nome da necessidade de sobreviver, criamos um personagem que se mostra tão útil que acaba se confundindo com nossa derme mais profunda. Se criar personagens é preciso, despir-se deles constantemente é vital. 
(...)
Ninguém se iluda de que é absolutamente verdadeiro o tempo todo, até porque somos muitas verdades ao mesmo tempo e seguidamente elas são contraditórias. Aquelas pessoas que parecem muito “autênticas” porque são extrovertidas, dizem coisas chocantes, se arriscam no estilo, estão muito bem cobertas por suas máscaras e morrem de medo de serem reveladas. A máscara do “autêntico”, “louco” ou “excêntrico” é uma das mais corriqueiras. Este tipo faz piada com o ponto fraco dos outros, dando gargalhadas e batendo nas costas da vítima e, quando alguém reclama, uma meia dúzia de amigos sai em sua defesa dizendo que “é o jeito dele”. Ahan.
 
Há o tipo “bonzinho” que, mesmo fazendo coisas horríveis e muito bem dissimuladas de vez em quando, é tão convincente no “foi sem querer” ou “ele jamais faria isso de propósito” que é imediatamente perdoado. Existe a “mulherzinha”, tão frágil que parece que vai quebrar a qualquer adjetivo mais eloquente. Esta manipula brilhantemente nossos mais primitivos instintos de proteção e, se você tem a coragem de dizer para ela tomar jeito e prescindir do diminutivo, imediatamente é você quem vira uma megera. E há o seu oposto, “a mulher alfa”, esculpida a navalhadas, que se arma de sapatos de bico fino, terninhos de grife e cortes de cabelo modernos, mas práticos, para arrasar meio mundo a bordo de sua armadura como se o melhor produto do feminismo fosse uma mulher se tornar um clichê de homem.
 
Enfim, são muitas as fantasias que vestimos para não sermos engolidos pelo mundo. Em geral não somos nem mesmo uma máscara definida, como as que acabei de expor apenas como recurso didático. Não somos Batman, Coringa, Gilda, Bambi ou Madre Tereza de Calcutá. Somos uma mistura de vários estereótipos. E, se é verdade que vestimos máscaras, também é verdade que não há um “eu” essencial – mas sim um “eu” fluido e incapturável, em constante movimento de mutação. E é nesta fluidez do eu, que não pode ser confundida com ausência de rosto, que residem nossas verdades mais profundas.
 
Acho que nossas máscaras começam a colar no nosso rosto ainda na infância. Uma mistura entre a necessidade de rotular que os pais em geral têm e o nosso desejo de satisfazê-los – ou de escapar da prisão que intuímos. Numa família com mais de um filho é mais fácil perceber. Um é o extrovertido, o outro é o tímido, outro ainda é o rebelde. Ou um é o estudioso que “não dá trabalho nenhum”, o outro é o vagabundo que ninguém sabe “por quem puxou”. E há o outro que tem – socorro! – “transtorno do déficit de atenção e hiperatividade".
 
Os pais costumam botar um rótulo em cada filho, e a escola raramente tem competência para, em vez de reforçá-los, quebrá-los para que as crianças tenham outras possibilidades de expressar aquilo que são ou se tornar algo diferente do que foram levadas a ser. Uma pena, porque quebrar máscaras impingidas ainda na infância talvez seja a grande função de um educador. É muito difícil identificar se alguém “é assim” ou se tornou o que sempre ouviu que era. Agora, que as crianças são medicalizadas cada vez mais cedo e os rótulos ganharam status de “diagnóstico”, com a entrada do “especialista”, danou-se.
 
De fato, ninguém é – todos nós nos tornamos. E este “tornar-se” não é um caminho linear rumo a um rosto definitivo, que daria conta de nossa essência. Não há essência, o que existe é construção a partir de um conjunto de genes, de influências ambientais e experiências as mais variadas, de inscrição no momento histórico e de livre arbítrio – ainda que o livre arbítrio nunca seja tão livre assim. Embora possa ser assustador pensar que não há um “eu” essencial a ser alcançado, de fato é bastante libertador.
 
Somos uma constante invenção e reinvenção. E, tão importante quanto, desinvenção. Vale a pena não esquecer que sempre podemos nos desinventar. Ainda que carreguemos conosco tudo aquilo que vivemos, a mágica está em dar novos significados a antigas experiências e ter a sabedoria de nos livrarmos do que não é nosso, apenas foi impingido a nós como uma roupa de gosto duvidoso. Por isso, é bom tomarmos muito cuidado para não rotular os outros, como se nossas sentenças fossem imunes de preconceitos. E mais cuidado ainda se estes outros forem os nossos filhos, para que nossos rótulos não virem destino.
 
Acho que a melhor forma de não impingir máscaras aos outros é não impingi-las a nós mesmos. É bem fácil cair na tentação de transformar uma de nossas máscaras, aquela que nos parece mais eficaz no embate cotidiano, em nosso rosto definitivo. A máscara se torna tão usada que vai se fundindo primeiro à nossa pele, depois aos nossos ossos. Não é que vire ferro, como no clássico de Alexandre Dumas. O problema é que vira carne humana, mesmo. E aí, meu amigo, fica bem difícil de arrancá-la, porque passamos a acreditar que morreremos no processo. Ou que, por trás dela, não há um ou muitos rostos, mas um vazio infinito. Muita gente se agarra a seu personagem com medo de que, se a máscara for arrancada, descubram que não há nada lá. A máscara serviria, neste caso, para esconder a ausência de face.
(...)
*            *            *

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

"ARTE MÉDICA" - blog

 "The Doctor",1891; Samuel Luke Fildes (1844-1927),
Óleo sobre tela, Galeria Tate (Londres) 

Ao pintar a criança enferma Fields inspirou-se no drama que viveu com o falecimento do seu filho na noite de natal de 1877.
O quadro foi uma homenagem do pintor ao médico prestativo que assistiu seu filho até a hora da morte.
Para que a tela fosse mais real possível, Luke Fields reproduziu no seu ateliê a sala de sua casa, palco do óbito de seu herdeiro.

No quadro, nota-se o médico em primeiro plano, olhando para sua paciente enquanto pensa se, a despeito do grau da enfermidade, é possível encontrar uma terapêutica eficaz.
Observa-se também uma jovem doente, pálida, fraca e adormecida.

No fundo vemos uma mãe aflita, preocupada e desesperançosa, sua cabeça baixa traduz o desespero de quem espera o pior. Também é notável a expressão do pai, que não pode conter sua preocupação com a doença de sua filha, mas procura manter a calma, a fim de confortar a mãe.

Se levarmos em consideração a época em que a tela foi pintada, é possível supor que o quadro retrata uma vítima de alguma doença infecciosa incurável, comum na era pré-antibiótica.

'O Doutor' foi concluído em 1891, atendendo a um pedido da rainha Vitória, da Inglaterra. O trabalho que custou três mil libras esterlinas, foi intermediado por Sir Henry Tate, em cuja homenagem existe atualmente em Londres, na Galeria Tates, onde essa obra de arte encontra-se exposta.
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Fonte: Blog 'Arte Médica' , de Renata Calheiros Viana