quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

EÇA DE QUEIROZ - O Suave Milagre (trecho)

O Suave Milagre
Eça de Queiroz

(...)
A tarde caía. O mendigo apanhou o seu bordão, desceu pelo duro trilho, entre a urze e a rocha. A mãe retomou o seu canto, mais vergada, mais abandonada. E, então, o filhinho, num murmúrio mais débil que o roçar de uma asa, pediu à mãe que lhe trouxesse esse Rabi, que amava as criancinhas ainda as mais pobres, sarava os males ainda os mais antigos. A mãe apertou a cabeça esguedelhada:
- Oh, filho! E como queres que eu te deixe, e lance-me aos caminhos, à procura do Rabi da Galiléia? Obede é rico e tem servos, e debalde buscaram Jesus, por areias e colinas, desde Corazim até ao país de Moabe. Séptimo é forte, e tem soldados, e debalde correram por Jesus, desde o Hébron até ao mar! Como queres que te deixe? Jesus anda por muito longe e a nossa dor mora conosco, dentro destas paredes, e dentro delas nos prende. E mesmo que o encontrasse, como convenceria eu o Rabi tão desejado, por quem ricos e fortes suspiram, a que descesse através das cidades até este ermo, para sarar um entrevadinho tão pobre, sobre enxerga tão rota?
A criança, com duas longas lágrimas na face magrinha, murmurou:
- Oh! Mãe! Jesus ama todos os pequeninos. E eu ainda tão pequeno, e com um mal tão pesado, e que tanto queria sarar!
E a mãe, em soluços:
- Oh! Meu filho, como posso te deixar? Longas são as estradas da Galiléia, e curta a piedade dos homens. Tão rota, tão trôpega, tão triste, até os cães me ladrariam da porta dos casais. Ninguém atenderia o meu recado, e me apontaria a morada do doce Rabi. Oh! Filho! Talvez, Jesus morresse... Nem mesmo os ricos e os fortes o encontram. O céu o trouxe, o céu o levou. E com ele para sempre morreu a esperança dos tristes.
Dentre os negros trapos, erguendo as pobres mãozinhas que tremiam, a criança murmurou:
- Mãe, eu queria ver Jesus...
E logo, abrindo devagar a porta e sorrindo, Jesus disse à criança:
- Aqui estou...
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