Buscando informações sobre a peça que Sura Berditchevesky estreia nesta quinta feira - baseada em cartas trocadas entre Drummond e sua filha Maria Julieta - encontrei o blog de Lionel Fischer, que recomendo. Ali, o crítico e professor de teatro inicia sua crônica com um texto que me deixou reconfortada em relação à minha inabilidade com as coisas da informática. Percebi não ser alguém de "outro mundo". Aí está:
"Como já disse inúmeras vezes, sou completamente indiferente aos avanços tecnológicos no campo da informática - meu computador e eu mantemos uma relação extremamente delicada e não consigo resolver impasses que uma criança de três anos (com sono) resolve em segundos. Isto posto, cumpre declarar que sou completamente apaixonado por papel, por livros (adoro o cheiro deles) e por cartas - meus amigos costumam dizer que sou um homem, no máximo, do século 19, o que recebo como delicioso elogio." Lionel Fischer
É isso: também me atrapalho com o excesso de recursos dessa invenção. Fiquei fora alguns dias - duas semanas - o que foi suficiente para um dos programas do meu computador ser desativado. Estou tentando corrigir e não consigo. Vou esperar meu neto chegar e pedir para que ele resolva o problema - o que, tenho certeza, será feito em segundos. (ah, esse meu neto não tem três anos, tem um pouquinho mais...)
Talvez eu devesse entrar para um curso de informática e aprender de vez essa encrenca, mas, sinceramente? não tenho a menor paciência com máquinas... E o computador... esse "ser" que compete conosco, me inibe, embora me ajude em algumas coisas.
Voltando ao assunto, a peça teatral chamou minha atenção justamente por se tratar de cartas, meio de comunicação que me fascina e que foi abolido do mundo atual. Adoro cartas - recebi e escrevi muitas - e tenho algumas guardadas que me emocionam até hoje, como a de um professor dos tempos do "ginásio" - Professor Nilo Camilo Ayuppe . Nela, esse professor que eu admiro tanto, me trata como igual, não como ex-aluna; fala-me de suas alegrias e de suas contrariedades, dos seus sucessos e das injustiças do mundo, enfim, permanece um Educador, narrando, em primeira pessoa, a história comum a todos nós que estamos aqui em permanente aprendizado.
Guardo também muitas cartinhas de minhas filhas, quando ainda adolescentes, e depois quando estudavam ou passeavam em outras cidades. Também cartas de amigos queridos, que por circunstâncias diversas se encontravam distantes fisicamente. São memórias de amor.
O que me encanta nas cartas é a disponibilidade das pessoas em reservar um tempo para escrever - manualmente - à outra, muitas vezes interrompendo ou adiando suas tarefas cotidianas, demonstrando a importância e o apreço de uma amizade. Isso não há mais. Ninguém tem tempo para o que realmente importa. Hoje, as pessoas nem se falam mais; visitas? conversas "olho no olho'? impensável. Nem mesmo o e-mail consegue suprir a tal pressa para tudo; os internautas estão preferindo as 'redes sociais', principalmente o 'facebook' , pela facilidade, rapidez e descompromisso de resposta. Estamos sempre 'na correria', como se diz. E para quê? 'Correr' para quê? O destino final continua o mesmo...
Já disse, inúmeras vezes, que essas invenções modernas facilitam a vida em alguns aspectos, mas em outros, podem também nos 'endurecer', tirando nossa humanidade.
As cartas nos aquietam a alma, voltam nossos pensamentos e nosso coração para o destinatário ou remetente, nos envolvem afetivamente.
Talvez por isso eu continue escrevendo - ainda que para mim mesma - aqui neste Baú do Ouriço, com esta Língua de Trapo - expressão tão antiga quanto o exercício de escrever cartas.
Carta
Carlos Drummond de Andrade
Há muito tempo, sim, que não te escrevo.
Ficaram velhas todas as notícias.
Eu mesmo envelheci: Olha em relevo,
estes sinais em mim, não das carícias
(tão leves) que fazias no meu rosto:
são golpes, são espinhos, são lembranças
da vida a teu menino, que ao sol-posto
perde a sabedoria das crianças.
A falta que me fazes não é tanto
à hora de dormir, quando dizias
"Deus te abençoe", e a noite abria em sonho.
É quando, ao despertar, revejo a um canto
a noite acumulada de meus dias,
e sinto que estou vivo, e que não sonho.
In: Lição de coisas
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