Relendo "A elegância do ouriço", de Muriel Barbery, detenho-me num trecho em que a personagem Renée Michel faz a descrição cuidadosa de uma pintura holandesa do Século XVII - uma natureza morta de Pieter Claesz (1590-1661).
Vamos conferir:
De ouro fosco
(...) levo como que por descuido o olhar para aquele raio de luz que bate num pequeno quadro de moldura de madeira escura.
(...)
É uma natureza morta que representa uma mesa arrumada para uma refeição leve, de ostras e pão. No primeiro plano, dentro de um prato de prata, um limão semidescascado e uma faca de cabo cinzelado. No fundo, duas ostras fechadas, um brilho na concha, cujo nácar é visível, e um prato de estanho que contém, provavelmente, pimenta. Entre os dois, um copo deitado, um pãozinho de miolo branco à mostra, e, à esquerda, um grande copo semicheio de um líquido pálido e dourado, arredondado como uma cúpula invertida e com o pé largo e cilíndrico ornamentado de contas de vidro. A gama cromática vai do amarelo ao ébano. O fundo é de ouro fosco, um pouco sujo."
(...)
De onde vem o maravilhamento que sentimos diante de certas obras? A admiração nasce com o primeiro olhar, e, se descobrimos depois, na paciente obstinação que demonstramos em encontrar suas causas, que toda essa beleza é fruto de um virtuosismo que só se detecta escrutando o trabalho de um pincel que soube domar a sombra e a luz e restituir, magnificando-as, suas formas e texturas - jóia transparente do vidro, grão tumultuado das conchas, aveludado claro do limão -, isso não dissipa nem explica o mistério do primeiro deslumbramento. "
De onde vem o maravilhamento que sentimos diante de certas obras? A admiração nasce com o primeiro olhar, e, se descobrimos depois, na paciente obstinação que demonstramos em encontrar suas causas, que toda essa beleza é fruto de um virtuosismo que só se detecta escrutando o trabalho de um pincel que soube domar a sombra e a luz e restituir, magnificando-as, suas formas e texturas - jóia transparente do vidro, grão tumultuado das conchas, aveludado claro do limão -, isso não dissipa nem explica o mistério do primeiro deslumbramento. "
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Muriel Barbery, "A elegância do ouriço", p. 213-216
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