quarta-feira, 19 de outubro de 2011

EMBRENHADA NO "GRANDE SERTÃO"


Grande Sertão: Veredas
Guimarães Rosa

"Coração de gente — o escuro, escuros."

"Quem ama é sempre muito escravo, mas não obedece nunca de verdade."

"Querer o bem com demais força, de incerto jeito, pode já estar sendo se querendo o mal por principiar."

"Naqueles olhos e tanto de Diadorim, o verde mudava sempre, como a água de todos os rios em seus lugares ensombrados. Aquele verde, arenoso, mas tão moço, tinha muita velhice, muita velhice, querendo me contar coisas que a idéia da gente não dá para se entender – e acho que é por isso que a gente morre. De Diadorim ter vindo, e ficar esbarrado ali, esperando meu acordar e me vendo meu dormir, era engraçado, era para se dar feliz risada. Não dei. Nem pude nem quis. Apanhei foi o silêncio dum sentimento, feito um decreto...
(...) E, digo ao senhor como foi que eu gostava de Diadorim: que foi que, em hora nenhuma, vez nenhuma, eu nunca tive vontade de rir dele."

"O amor? Pássaro que põe ovos de ferro."

"Amigo, para mim, é só isto: é a pessoa com quem a gente gosta de conversar, do igual o igual, desarmado. O de que um tira prazer de estar próximo. Só isto, quase; e os todos sacrifícios. Ou — amigo — é que a gente seja, mas sem precisar de saber o por quê é que é."

"Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas."

"A colheita é comum, mas o capinar é sozinho."

"A vantagem do valente é o silêncio do rumor…” – Zé Bebelo sentenciava. Zé Bebelo trepava em altas serras. Duvidava de nada. Que vencia! Quem vence, é custoso não ficar com a cara de demônio."

"As coisas que eu tinha de ensinar à minha inteligência. (…) Disso eu fiz um pensamento: que eu era muito diverso deles todos, que sim. Então, eu não era jagunço completo, estava ali no meio executando um erro. Tudo receei. Eles não pensavam. Zé Bebelo, esse raciocinava o tempo inteiro, mas na regra do prático. E eu? Vi a morte com muitas caras."

"Tudo nesta vida carece de direito se acertar."

"Quem muito se evita, se convive."

"Julgamento é sempre defeituoso, porque o que a gente julga é o passado."

"O que lembro, tenho."

"Que era: que a gente carece de fingir às vezes que raiva tem, mas raiva mesma nunca se deve de tolerar de ter. Quando se curte raiva de alguém, é a mesma coisa que se autorizar que essa própria pessoa passe durante o tempo governando a idéia e o sentir da gente; o que isso era falta de soberania, e farta bobice."

"Vingar… é lamber, frio, o que outro cozinhou quente demais."

"Quem sabe do orgulho, quem sabe da loucura alheia?"

"Ser chefe — por fora um pouquinho amargo; mas, por dentro, é risonhas flores. Um chefe carece de saber é aquilo que ele não pergunta."

"Comandar é só assim: ficar quieto e ter mais coragem."

"Toda saudade é uma espécie de velhice. Riu de me dar nojo. Mas nojo medo é, é não?"

"Tudo é e não é."

"Mocidade é tarefa para mais tarde se desmentir."

"Sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado!"

"O sertão não tem janelas, nem portas. E a regra é assim: ou o senhor bendito governa o sertão, ou o sertão maldito vos governa."

"O sertão não chama ninguém às claras; mais, porém, se esconde e acena."

"Sertão: quem sabe dele é urubu, gavião, gaivota, esses pássaros: eles estão sempre no alto, apalpando ares com pendurado pé, com o olhar remedindo a alegria e as misérias todas."

"O senhor sabe o que é silêncio é? É a gente mesmo, demais."

"A vida é ingrata no macio de si; mas transtraz a esperança mesmo do meio do fel do desespero."

"A vida é muito discordada. Tem partes. Tem artes. Tem as neblinas de Siruiz. Tem as caras todas do Cão e as vertentes do viver."

"Manter firme uma opinião, na vontade do homem, em mundo transviável tão grande, é dificultoso."

"Viver — não é? — é muito perigoso. Porque ainda não se sabe. Porque aprender-a-viver é que é o viver mesmo."

"Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniães…"

"Feito flecha, feito fogo, feito faca. Vi: o que guerreia é o bicho, não é o homem."

"O sertão é do tamanho do mundo. (…) é dentro da gente (…) é sem lugar (…) é uma espera enorme."

"Quando a gente dorme, vira de tudo: vira pedras, vira flor. O que sinto, e esforço em dizer ao senhor, repondo minhas lembranças, não consigo; por tanto é que refiro tudo nestas fantasias. Dormi nos ventos. Quando acordei, não cri: tudo o que é bonito é absurdo - Deus estável."


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