Lira XIV - Marília de Dirceu
Tomás Antonio Gonzaga
Minha bela Marília, tudo passa;
A sorte deste mundo é mal segura;
Se vem depois dos males a ventura,
Vem depois dos prazeres a desgraça.
Estão os mesmos Deuses
Sujeitos ao poder do ímpio Fado:
Apolo já fugiu do Céu brilhante,
Já foi Pastor de gado.
A devorante mão da negra Morte
Acaba de roubar o bem, que temos;
Até na triste campa não podemos
Zombar do braço da inconstante sorte.
Qual fica no sepulcro,
Que seus avós ergueram, descansado;
Qual no campo, e lhe arranca os brancos ossos
Ferro do torto arado.
Ah! enquanto os Destinos impiedosos
Não voltam contra nós a face irada,
Façamos, sim façamos, doce amada,
Os nossos breves dias mais ditosos.
Um coração, que frouxo
A grata posse de seu bem difere,
A si, Marília, a si próprio rouba,
E a si próprio fere.
Ornemos nossas testas com as flores
e façamos de feno um brando leito;
prendamo-nos, Marília, em laço estreito,
gozemos do prazer de sãos Amores.
Sobre as nossas cabeças,
sem que o possam deter, o tempo corre,
e para nós o tempo, que se passa,
também, Marília, morre.
Com os anos, Marília, o gosto falta,
e se entorpece o corpo já cansado,
triste, o velho cordeiro está deitado,
e o leve filho sempre alegre salta.
A mesma formosura
é dote que só goza a mocidade;
rugam-se as faces, o cabelo alveja,
mal chega a longa idade.
Que havemos d'esperar, Marília bela?
Que vão passando os florescentes dias?
As glórias que vêm tarde, já vêm frias;
e pode enfim mudar-se a nossa estrela.
Ah! não, minha Marília,
aproveite o tempo, antes que faça
o estrago de roubar ao corpo as forças
e ao semblante a graça.
* * *
Na verdade há um erotismo velado, um pedido de casamento -'ornemos nossas testas com as flores / e façamos de feno um breve leito' - referência clara ao tradicional uso da grinalda de noiva e à noite com a amada.
Mesmo porque os tempos eram outros e a delicadeza no trato era um hábito comum.
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