Há um tom de verde, que encontramos às vezes nos céus de certos quadros – um verde aguado, duma pureza de cristal, transparente e frio como um lago nórdico -, um verde tão remoto, sereno, perfeito, que parece nada ter de comum com as coisas terrenas. Paramos, contemplamos a tela, atribuímos a cor impossível à fantasia do artista e passamos adiante.
Entretanto havia na realidade um verde exatamente assim no horizonte daquele anoitecer de Sexta feira da Paixão. O dia fora morno e sem vento. O outono andava a dar novas tintas à cidade. As folhas das trepadeiras que cobriam as paredes de algumas vivendas do Moinhos de Vento faziam-se dum vermelho de ferrugem. Os plátanos do Parque começavam a perder as primeiras folhas. A luz do sol tinha a cor e a doçura do mel. Os horizontes fugiam.
Por toda a parte as paineiras estavam rebentando em flores. Os contornos das coisas amaciavam-se à claridade de abril. Andava no ar uma calma adormentadora. A paisagem como que ia adquirindo aos poucos uma certa maturidade, e as criaturas humanas pareciam finalmente em paz com o céu e a terra. Havia entre elas e a natureza um acordo espontâneo, uma repousada harmonia, uma aceitação mútua e sem reservas.
(ÉRICO VERÍSSIMO - Fragmento de "O resto é silêncio")
Lindo mesmo!
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