sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

DALTON TREVISAN - Apelo

Apelo
Dalton Trevisan

Amanhã faz um mês que a Senhora está longe de casa. Primeiros dias, para dizer a verdade, não senti falta, bom chegar tarde, esquecido na conversa da esquina.  Não foi ausência por uma semana: o batom ainda no lenço, o prato na mesa por engano, a imagem de relance no espelho.
Com os dias, Senhora, o leite primeira vez coalhou.  A notícia de sua perda veio aos poucos: a pilha de jornais ali no chão, ninguém os guardou debaixo da escada.  Toda a casa era um corredor deserto, e até o canário ficou mudo.  Para não dar parte de fraco, ah, Senhora, fui beber com os amigos.  Uma hora da noite eles iam e eu ficava só, sem o perdão de sua presença a todas as aflições do dia, como a última luz na varanda.
E comecei a sentir falta das pequenas brigas por causa do tempero da salada - meu jeito de querer bem.  Acaso é saudade, Senhora?  Às suas violetas, na janela, não lhes poupei água e elas murcham.  Não tenho botão na camisa, calço a meia furada.  Que fim levou o sacarrolhas?  Nenhum de nós sabe, sem a Senhora, conversar com os outros: bocas raivosas mastigando.  Venha para casa, Senhora, por favor.
*            *            * 
In: "O conto brasileiro contemporâneo". Org. Alfredo Bosi. S.Paulo. Cultrix. p.190

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