Érico Veríssimo
(...)
D. Henriqueta começou a servir o chimarrão ao marido e aos filhos. A cuia passou de mão em mão, a bomba andou de boca em boca. Mas ninguém falava.
Maneco apagou a lamparina, e a luz alaranjada ali dentro da cabana de repente se fez cinzenta e como que mais fria. As sombras desapareceram do pano onde Ana tinha fito o olhar. Ela então ficou vendo apenas o que havia nos seus pensamentos. Seus irmãos tinham levado Pedro para bem longe; três cavalos e três cavaleiros andando na noite.
Pedro não dizia nada, não fazia nenhum gesto, não procurava fugir, sabia que era seu destino ser morto e enterrado ao pé de uma árvore.
Ana imaginou Horácio e Antônio cavando uma sepultura, e o corpo de Pedro estendido no chão ao pé deles, coberto de sangue e sereno. Depois os dois vivos atiraram o morto na cova e o cobriram com terra. Bateram a terra e puseram uma pedra em cima. E Pedro lá ficou no chão frio, sem mortalha, sem cruz, sem oração, como um cachorro pesteado.
Agora estava tudo perdido. Seus irmãos eram assassinos. Nunca mais poderia haver paz naquela casa. Nunca mais eles poderiam olhar direito uns para os outros. O segredo horroroso havia de roer para sempre a alma daquela gente. E a lembrança de Pedro ficaria ali no rancho, na estância e nos pensamentos de todos, como uma assombração.
Ana pensou então em matar-se. Chegou a pegar o punhal que o índio lhe dera, mas compreendeu logo que não teria coragem de meter aquela lâmina no peito e muito menos na barriga, onde estava a criança.
Imaginou a faca trespassando o corpo do filho e teve um estremecimento, levou ambas as mãos espalmadas ao ventre, como para o proteger.
Sentiu de súbito uma inesperada, esquisita alegria ao pensar que dentro de suas entranhas havia um ser vivo, e que esse ser era seu filho e filho de Pedro, e que esse pequeno ente havia de um dia crescer...
Sentiu de súbito uma inesperada, esquisita alegria ao pensar que dentro de suas entranhas havia um ser vivo, e que esse ser era seu filho e filho de Pedro, e que esse pequeno ente havia de um dia crescer...
Mas uma nova sensação de desalento gelado a invadiu quando ela imaginou o filho vivendo naquele descampado, ouvindo o vento, tomando chimarrão com os outros num silêncio de pedra, a cara, as mãos, os pés encardidos de terra, a camisa cheirando a sangue de boi (ou sangue de gente?).
O filho ia ser como o avô, como os tios. E um dia talvez se voltasse também contra ela. Porque era "filho das macegas", porque não tinha pai.
Tremendo de frio Ana Terra puxou as cobertas até o queixo e fechou os olhos.
Tremendo de frio Ana Terra puxou as cobertas até o queixo e fechou os olhos.
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Livro sensacional!! Sou fã, adoro, já li quase todos os livros do Erico, mas O Tempo e o Vento é a minha maior paixão literária
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