Guilherme de Figueiredo
Mais língua? Não te disse que trouxesse o que há de melhor para o meu hóspede? Por que só trazes língua? Queres expor-me ao ridículo?
Esopo:
Que há de melhor do que a língua? A língua é que nos une a todos, quando falamos. Sem a língua nada poderíamos dizer.
A língua é a chave das ciências, o órgão da verdade e da razão.
Graças à língua se ensina, se persuade, se instrui, se reza, se explica, se canta, se descreve, se elogia, se demonstra, se afirma.
É com a língua que tu dizes 'mãe', e 'querida' e 'Deus'.
É com a língua que dizemos 'sim'.
A língua cria o mundo de Ésquilo, a palavra de Demóstenes.
Toda a Grécia, Xantós, das colunas do Pártenon à estátuas de Fídias, dos deuses do Olimpo à glória sobre Tróia, da ode do poeta ao ensinamento do filósofo, toda a Grécia foi feita com a língua, a língua de belos gregos falando para a eternidade.
Xantós:
(...) Bravo, Esopo! Realmente, tu nos trouxeste o que há de melhor. (...)
Vai agora ao mercado e traze-nos o que houver de pior, pois quero ver a tua sabedoria! (...)
Agora que já sabemos o que há de melhor na terra, vejamos o que há de pior na opinião deste horrendo escravo! (Levanta o pano que cobre o prato).
- Língua? (Indignadíssimo) Língua, ainda? Não disseste, mostrengo, que língua era o que havia de melhor? Queres ser espancado?
Esopo:
A língua, senhor, é o que há de pior no mundo. É a fonte de todas as intrigas, o início de todos os processos, a mãe de todas as discussões. ´
É a língua que usam os maus poetas que nos fatigam na praça, é a língua que usam os filósofs que não sabem pensar. É a língua que mente, que esconde, que tergiversa, que blasfema, que insulta, que se acovarda, que mendiga, que impreca, que bajula, que destrói, que calunia, que vende, que seduz, que corrompe.
É com a língua que dizemos 'morre', e 'canalha' e 'corja'.
É com a língua que dizemos 'não'.
Com a língua Aquiles mostrou sua cólera, com a língua Ulisses tramava seus ardis.
Com a língua a Grécia vai tumultuar os pobres cérebros humanos para toda a eternidade.
Aí está, Xantós, porque a língua é a pior de todas as coisas!
* * *
In: A raposa e as uvas, 2ª edição, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira)
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