segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

MÁRCIA TIBURI - Política da solidão

Casa de Elizabeth Bishop
Ouro preto-MG
Política da solidão 
Marcia Tiburi - Revista 'CULT'

Clinicalização do estar só escamoteia o verdadeiro mal da sociedade atual

Algo vai muito mal com a autocompreensão do ser humano sob a crença de que existe um padrão normal dos afetos que calibraria o todo da experiência emocional humana.

A crença na normalidade confirma apenas que vivemos mergulhados na incomunicabilidade. Os sentimentos humanos são nebulosos e confusos, mas não são expressos senão por meio de atos desesperados que falam por si mesmos.

Se a norma fosse estabelecida pelo que há de mais comum, teríamos de voltar ao paradoxo de Bacamarte: o anormal é normal, o normal é anormal.
(...)

Em pesquisa recentemente divulgada, um médico norte-americano definiu a solidão não apenas como doença, mas como epidemia. Tratou-a como uma tendência contrária à evolução. Definida como um erro da “natureza humana”, a solidão passa a ser vista fora de sua dimensão social e histórica. Como doença, ela seria a causa do sofrimento e não o efeito da perda de sentido da convivência entre as pessoas.
Em última instância, daquilo que seria o significado mais próprio da política como universo da integração entre indivíduos e comunidades.

Em um mundo em que a política foi destruída pelo poder transformado em violência, a solidão é o sintoma do medo do outro que ameaça o indivíduo.

Diz-se indivíduo daquele que não pode ser dividido, que é inteiro. Podemos dizer que a solidão é constitutiva de si no mais simples sentido metafísico.

Mas há a solidão como um fato que diz respeito à vida vivida fora das relações. É essa solidão que deve ser inscrita na filosofia política como afeto político.

Mas não há nada de anormal em um indivíduo viver só. A solidão da qual muitos se queixam hoje como um desprazer pode ser para outros tantos um prazer.

Viver em comunidade não faz sentido para todo mundo e isso não leva necessariamente à conclusão de antissociabilidade da qual o indivíduo seria a vítima ou o culpado.

A solidão nas cidades grandes é muito mais um sinal da precariedade do sentido da comunidade e da convivência, é mais um problema sociocultural do que de escolha individual.


Selva de pedra
Certamente ela reflete a impossibilidade de retornar às florestas, como um dia fez Henry Thoreau. As florestas estão em extinção, assim como, curiosamente, a ideia de humanidade. Resta fugir para a moderna caverna na selva de pedra – sem querer reeditar lugares-comuns – que é a casa de cada um.

A solidão é, assim, a categoria política que expressa a nostalgia de uma vivência de si mesmo. Ela é, por isso, a tentativa de preservar a subjetividade e a intimidade consigo mesmo que não tem lugar no contexto de relações sociais transformadas em mercadorias baratas.

A sociedade da antipolítica precisa tratar a solidão como uma pena e um mal-estar quando não consegue olhar para a miséria da vez: o fetiche da hiperconectividade, que ilude que não somos sozinhos.
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