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Coisas de fazer e coisas de amar
Luciana Saddi
* * *Do livro 'O amor leva a um liquidificador' (Ed. Casa do Psicólogo).
Eu só me encontro nas coisas de fazer. Preparar um belo risoto. Funghi de molho no leite e vinho, cortar cogumelos variados em fatias grosseiras, picar cebola, cozinhar um caldo de legumes horas a fio. Sentir nas mãos o cheiro das coisas que vêm da terra, a vida é feita disso. O dourado da fritura, o ponto de cozimento, a textura do arroz. Mais sal, menos sal. A proporção de azeite, manteiga e parmesão, problema simples. Não esquecer do vinho, mexer bastante, sentir o aroma subindo da panela. Tudo que precisamos está ali aos nossos pés, no final dá certo, é bom e é de comer.
Eu me desencontro nas coisas de amar. Não tem preparação, as receitas não funcionam, nunca é como o cheiro da terra, mesmo quando é sincero e intenso. Não é um jogo embora envolva conquista. O que falar, como falar, quando falar, preocupações, como se fizesse alguma diferença. Uma palavra doce, um elogio a mais, um detalhe não percebido, um sorriso azedo, um beijo melado. Como agradar ao paladar tão variado? Bunda demais, peito de menos, umas rugas estúpidas, a cor do batom, a celulite é a culpada. É muito fácil se queimar. No final todos saem perdendo. O coração é matéria prima delicada, assustada, viva.
Para as coisas de fazer, ordem, sequência, controle, início e fim, método, técnica, tempo do relógio, prova e repetição. Substantivos concretos. Palavras pequenas. Todo mundo entende essa língua.
Para as coisas de amar, sentimentos, expectativas, sonhos, ilusões, sedução, esperança, solidão, ciúmes e exclusão. Substantivos abstratos. Palavras grandes. Ninguém entende do que se trata.
Nas coisas de fazer, executar com paixão garante o bom resultado e a sobrevivência.
Nas coisas de amar, a paixão não se presta como garantia e muitas vezes flerta com a morte.
Por isso eu só me encontro nas coisas de fazer, no trabalho cotidiano, cortar, lavar, cozinhar, que mesmo dando errado sempre acaba bem.
Nas coisas de amar, a paixão não se presta como garantia e muitas vezes flerta com a morte.
Por isso eu só me encontro nas coisas de fazer, no trabalho cotidiano, cortar, lavar, cozinhar, que mesmo dando errado sempre acaba bem.
Para as coisas de amar é melhor nem começar.
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