OVÍDIO - As metamorfoses (fragmento)
O próprio tempo passa com um movimento contínuo, como um rio...O que foi antes já não é, o que não tinha sido é, e todo instante é uma coisa nova.
Vês a noite, próxima do fim, caminhar para o dia, e à claridade do dia suceder a escuridão da noite...
Não vês as estações do ano se sucederem, imitando as idades de nossa vida?
Com efeito, a primavera, quando surge, é semelhante à criança nova... a planta nova, pouco vigorosa, rebenta em brotos e enche de esperança o agricultor.Tudo floresce.
O fértil campo resplandece com o colorido das flores, mas ainda falta vigor às folhas.
Entra, então, a quadra mais forte e vigorosa, o verão: é a robusta mocidade, fecunda e ardente.
Chega, por sua vez, o outono: passou o fervor da mocidade, é a quadra da maturidade, o meio-termo entre o jovem e o velho; as têmporas embranquecem.
Vem, depois, o tristonho inverno: é o velho trôpego, cujos cabelos ou caíram como as folhas das árvores, ou, os que restaram, estão brancos como a neve dos caminhos.
Também nossos corpos mudam sempre e sem descanso... E também a natureza não descansa e, renovadora, encontra outras formas nas formas das coisas.
Nada morre no vasto mundo, mas tudo assume aspectos novos e variados...todos os seres têm sua origem noutros seres.
Existe uma ave a que os fenícios dão o nome de fênix. Não se alimenta de grãos ou de ervas, mas das lágrimas do incenso e do suco da amônia.
Quando completa cinco séculos de vida, constrói um ninho no alto de uma grande palmeira, feito de folhas de canela, do aromático nardo e da mirra avermelhada.
Ali se acomoda e termina a vida entre os perfumes.
De suas cinzas, renasce uma pequena fênix, que viverá outros cinco séculos...
Assim também é a Natureza e tudo o que nela existe e persiste".
* * *
(In: Convite à Filosofia - Marilena Chauí. 12 ed. São Paulo: Ática, 2000. p.24-5).
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