sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

MARILENA CHAUÍ - fragmento de As metamrfoses


OVÍDIO - As metamorfoses (fragmento)

"Não há coisa alguma que persista em todo o Universo. Tudo flui, e tudo só apresenta uma imagem passageira. 
O próprio tempo passa com um movimento contínuo, como um rio...O que foi antes já não é, o que não tinha sido é, e todo instante é uma coisa nova.

Vês a noite, próxima do fim, caminhar para o dia, e à claridade do dia suceder a escuridão da noite...

Não vês as estações do ano se sucederem, imitando as idades de nossa vida?
Com efeito, a primavera, quando surge, é semelhante à criança nova... a planta nova, pouco vigorosa, rebenta em brotos e enche de esperança o agricultor.Tudo floresce. 
O fértil campo resplandece com o colorido das flores, mas ainda falta vigor às folhas. 

Entra, então, a quadra mais forte e vigorosa, o verão: é a robusta mocidade, fecunda e ardente.

Chega, por sua vez, o outono: passou o fervor da mocidade, é a quadra da maturidade, o meio-termo entre o jovem e o velho; as têmporas embranquecem.  

Vem, depois, o tristonho inverno: é o velho trôpego, cujos cabelos ou caíram como as folhas das árvores, ou, os que restaram, estão brancos como a neve dos caminhos.

Também nossos corpos mudam sempre e sem descanso... E também a natureza não descansa e, renovadora, encontra outras formas nas formas das coisas.

Nada morre no vasto mundo, mas tudo assume aspectos novos e variados...todos os seres têm sua origem noutros seres.

Existe uma ave a que os fenícios dão o nome de fênix. Não se alimenta de grãos ou de ervas, mas das lágrimas do incenso e do suco da amônia. 
Quando completa cinco séculos de vida, constrói um ninho no alto de uma grande palmeira, feito de folhas de canela, do aromático nardo e da mirra avermelhada. 
Ali se acomoda e termina a vida entre os perfumes. 
De suas cinzas, renasce uma pequena fênix, que viverá outros cinco séculos...

Assim também é a Natureza e tudo o que nela existe e persiste".


*        *        *


(In: Convite à Filosofia - Marilena Chauí. 12 ed. São Paulo: Ática, 2000. p.24-5).

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