A literatura não serve para nada
Letícia Santos - 30 de novembro 2013
Revelar a arte e ocultar o artista é a finalidade da arte.
O crítico é quem pode traduzir de outro modo ou para um novo meio sua impressão sobre coisas belas. A mais elevada modalidade de crítica, e também a mais baixa, é uma forma de autobiografia.
Aqueles que encontram significados feios em coisas belas são corruptos sem serem encantadores. Isso é um defeito.
Aqueles que encontram significados belos em coisas belas são os cultos.
Para estes há esperança. Eles são os eleitos para os quais as coisas belas significam somente Beleza.
Não existe livro moral ou imoral. Livros são bem escritos ou mal escritos. Isso é tudo.
A aversão do século XIX pelo Realismo é a fúria de Caliban ao ver o próprio rosto em um espelho. A aversão do século XIX pelo Romantismo é a fúria de Caliban ao não ver o próprio rosto em um espelho.
A vida moral de um homem é parte do tema do artista, mas a moralidade da arte consiste no uso perfeito de um meio imperfeito.
O artista não deseja provar nada. Mesmo as coisas verdadeiras podem ser provadas.
O artista não tem inclinações éticas. Uma inclinação ética em um artista é um maneirismo imperdoável de estilo.
O artista nunca é mórbido. O artista pode expressar tudo.
Pensamento e linguagem são para o artista instrumentos de uma arte.
Vício e virtude são para o artista materiais para uma arte.
Do ponto de vista da forma, a arte exemplar é a do músico.
Do ponto de vista do sentimento, a arte do ator é a exemplar.
Toda arte é ao mesmo tempo superfície e símbolo. Aqueles que vão além da superfície assumem um risco ao fazê-lo. Aqueles que leem o símbolo assumem um risco ao fazê-lo.
É o espectador, e não a vida, que a arte verdadeiramente espelha.
A diversidade de opinião sobre uma obra de arte demonstra que tal trabalho é novo, complexo e vital.
Quando críticos discordam, o artista está em acordo consigo mesmo.
Podemos perdoar um homem por fazer alguma coisa útil, desde que ele não a admire.
A única desculpa para fazer alguma coisa inútil é podermos admirá-la intensamente.
Toda arte é completamente inútil.”
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Mesmo que você se sinta na obrigação moral de contra-atacar, deixa quieto! Não é intelectualmente saudável discordar de Oscar Wilde, o discípulo esteta.
O trecho, prólogo de O Retrato de Dorian Gray deveria ser decorado e repetido por todo leitor, pretenso escritor ou crítico literário. Melhor, deveria ser lapidado em pedra e posto na entrada de cada biblioteca e universidade do mundo!
A literatura, obviamente, não serve para nada. E por que serviria? Não tem de servir.
Você provavelmente já leu por aí que os livros não mudam o mundo, eles mudam as pessoas e as pessoas é que mudam o mundzzZzzZZz…
Livros? Talvez, se as pessoas lessem só autoajuda?
O cânone literário não é composto apenas de livros moralmente edificantes, éticos ou virtuosos. Se alguns deles o são, é por acidente. Do contrário, seriam meros panfletos.
Os maiores escritores são subversivos de todos os valores, se os lermos para formar nossos conceitos morais, sociais, políticos ou pessoais, provavelmente nos tornaríamos monstros!
O único motivo de se ler literatura é a recepção da força estética, que aumenta o nosso próprio eu crescente. Como diria Nietzsche, tornar-se o que se é.
Ler excessivamente não faz um cidadão melhor ou pior – no máximo melhora o vocabulário, dá status, impressiona as gatas ou faz você acreditar que é superior aos outros -, mas possibilita um diálogo consigo mesmo. Porém, esse diálogo solitário não é uma realidade social, não vai melhorar a sociedade. Talvez essa seja a verdade que os idealistas não aceitam.
A literatura pode nos trazer apenas o uso correto da nossa solidão.
Acho que os estudos literários passam por um momento crítico, quando a literatura é valorizada por tudo, absolutamente tudo, exceto por critérios estritamente literários. E não é culpa da internet, da má qualidade do ensino ou dos best-sellers. Existe uma fuga dos padrões estéticos, da parte dos próprios especialistas. O poeta Nelson Ascher disse em seu Facebook certa vez:
Cabe a um ensaio crítico dizer se a obra examinada é boa ou ruim e por quê. De resto, ele pode também fazer/dizer infinitas outras coisas, mas nenhuma delas é necessariamente relevante. Por outro lado, caso não cumpra sua tarefa elementar e definidora, ele poderá ser qualquer coisa, mas crítica literária é que não será.
Algumas pessoas veem a literatura, as artes em geral bem como sua crítica como coisas importantes, coisas que dizem respeito à nossa humanidade e dignidade, à riqueza e variedade irredutível da vida. Outras acham que os únicos temas relevantes em todo o universo são o capital e o capitalismo, a exploração, a opressão, a desigualdade, a luta de classes, a justiça social, a revolução, tais ou quais utopias etc.
É seu direito sagrado sustentar esse (ou qualquer outro) ponto de vista — mas me intriga e sempre me intrigou por que, em vez de se dedicarem direta e explicitamente a essas questões, elas precisam fazer de conta que gostam de literatura ou das artes e preferem chegar ao que as fascina através daquilo que não as interessa. (*)
Por mais louváveis e urgentes que sejam todas essas causas, a literatura não pode fazer nada por elas. Mas há quem insista, porque pensa que o belo é como uma religião morta.
O grande problema é: pragmaticamente o valor estético pode ser reconhecido ou experimentado, mas não pode ser transmitido ou ensinado para os incapazes de apreender suas sensações e percepções.
(...)
A literatura está aí para dar o prazer, difícil e sublime prazer, que qualquer outro texto não dará. Isso é permitido? Eu sei que, enquanto isso, no Senado, blá blá blá. Não desmereço essas questões, não é isso. Mas é provável que nossa cultura esteja fadada a continuar sendo uma cultura literária, na falta de qualquer ideologia que não tenha sido desacreditada. Ciência, filosofia, religião, política…
É só para a literatura que podemos nos voltar, só ela é suficiente para responder a todas as nossas ansiedades.
Na arte há tudo o que o ser humano é capaz de almejar.
* * *
(*) Coloquei em destaque porque concordo inteiramente...
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