Todo pensamento começa com um problema
Rubem Alves
Se o carro não tivesse parado, você teria continuado sua viagem calmamente, ouvindo música, sem sequer pensar que automóveis têm motores.
O que não é problemático não é pensado.
Você nem sabe que tem fígado até o momento em que ele funciona mal. Nem sabe que tem coração, até que ele dá umas batidas diferentes.
Você nem toma consciência do sapato, até que uma pedrinha entra lá dentro.
Quando está escrevendo, você se esquece da ponta do lápis até que ela quebra.
Você não sabe que tem olhos — o que significa que vão muito bem. Você toma consciência deles quando começam a funcionar mal.
Da mesma forma que você não toma consciência do ar que respira, até que ele começa a cheirar mal... Fernando Pessoa diz que “pensamento é doença dos olhos”. É verdade, mas nem toda. O mais certo seria “pensamento é doença do corpo”.
A gente pensa porque as coisas não vão bem — alguma coisa incomoda.
Quando tudo vai bem, a gente não pensa, mas simplesmente goza e usufrui...
Todo pensamento começa com um problema.
Quem não é capaz de perceber e formular problemas com clareza não pode fazer ciência.
Não é curioso que nossos processos de ensino de ciência se concentrem mais na capacidade do aluno para responder?
Você já viu alguma prova ou exame em que o professor pedisse que o aluno formulasse o problema?
O que se testa nos vestibulares, e o que os cursinhos ensinam, não é simplesmente a capacidade para dar respostas?
Frequentemente, fracassamos no ensino da ciência porque apresentamos soluções perfeitas para problemas que nunca chegaram a ser formulados e compreendidos pelo aluno.
Qual é o problema?
O carro parou. Você deve descobrir o que está errado.
Mas o que é isso?
Você sabe que o automóvel, tal como foi planejado, é uma máquina ideal que funciona perfeitamente. Antes de ser transformada em peças, engrenagens, tubos, parafusos, ela foi construída idealmente, na imaginação, por pessoas que foram capazes de simular o real.
Esta é a grande função e o poder mágico do pensamento: ele pode simular o real, antes que as coisas aconteçam.
Mas nesse modelo ideal do automóvel não há defeitos. Eles aparecem quando a máquina real se desvia do plano ideal.
Ora, seu problema é fazer com que o carro ande novamente, isto é, fazer com que funcione conforme foi idealmente planejado.
Isso significa que você só pode resolver seu problema se for capaz de reconstruir, idealmente, o plano da máquina.
A partir desse modelo você poderá inspecionar, mentalmente, os possíveis defeitos no funcionamento do automóvel.
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