sábado, 28 de dezembro de 2013

CLARICE - em carta às irmãs

Trecho de carta de Clarice Lispector a suas irmãs

"1947, Berna - Suíça

(...)
Não pense que a pessoa tem tanta força assim a ponto de levar qualquer espécie de vida e continuar a mesma. 
Até cortar os defeitos pode ser perigoso - nunca se sabe qual o defeito que sustenta nosso edifício inteiro...há certos momentos em que o primeiro dever a realizar é em relação a si mesmo.
Quase quatro anos me transformaram muito. Do momento em que me resignei, perdi toda a vivacidade e todo interesse pelas coisas. Você já viu como um touro castrado se transforma em boi. Assim fiquei eu... 
Para me adaptar ao que era inadaptável, para vencer minhas repulsas e meus sonhos, tive que cortar meus grilhões - cortei em mim a forma que poderia fazer mal aos outros e a mim. E com isso cortei também a minha força.
Ouça: respeite mesmo o que é ruim em você - respeite sobretudo o que imagina que é ruim em você - não copie uma pessoa ideal, copie você mesma - é esse seu único meio de viver.

Juro por Deus que, se houvesse céu, uma pessoa que se sacrificou por covardia ia ser punida e iria para um inferno qualquer.  Se é que uma vida morna não é ser punida por essa mesma mornidão.

Pegue para você o que lhe pertence, e o que lhe pertence é tudo o que sua vida exige. Parece uma vida amoral. Mas o que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesma.

Gostaria mesmo que você me visse e assistisse minha vida sem eu saber.  Ver o que pode suceder quando se pactua com a comodidade da alma.

Clarice"
*            *            *

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